segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Se você soubesse - parte 2

Aí ele disse:


Ah menina, se você soubesse... se soubesse de tanta coisa que eu gostaria de te falar... falar que, não, eu não fiz as pazes com meu diário... afinal, eu nunca tive um... mas sim fiz as pazes comigo mesmo. Soubesse que hoje eu ainda não fui durmir por que de alguma maneira eu ainda não aceitei nem mesmo me conformei que a noite acabou assim e não tenho você comigo aqui nos meus braços.

Ai, se você soubesse... de tudo que passava na minha cabeça enquanto assistia você cantar... assistindo você cantar letras românticas, imaginando e desejando que naquela “frase perfeita” daquela música, aliás, de tantas músicas, talvez seus olhos estivessem fechados pensando em mim. Essa noite eu “percebi” o quanto eu gosto de estar com você e o quanto tenho orgulho de poder estar com você.Ah, se você soubesse da vontade alucinada que tive de te pegar nos braços, beijar, beijar e beijar enquanto ficava ali te vendo. Dizem até que eu estava meio babão e desligado, mas eu duvido! Não vi nada disso acontecer!

Ah, se você soubesse o quanto todos esses dias tem me tornado uma pessoa mais feliz, mesmo que ainda muitas vezes eu pare e pense que em breve você pode não estar mais sequer perto daqui. Mas não, eu não sofro por antecedência, e talvez por isso ainda pareço às vezes “anti-social”. Ah, se você soubesse o quanto tenho dúvidas a respeito de nós, dúvidas sobre sua vontade, seus desejos. Às vezes não sinto confiança. A dúvida é o preço da pureza, ter certeza é inútil.

Menina! O que é certeza é que de alguma forma você me faz bem. Seu sorriso lindo, seus olhos verdes perfeitos, sua inteligência, seu talento pra acabar com o sentimento de solidão, com o qual inclusive eu estava não aprendendo a lidar, mas sim ignorar. Mas ninguém consegue fazer isso por muito tempo.

Não sou tatuado, não tenho piercing e muito menos cabelo comprido. Não sei por que resolveu gostar de mim, mas eu gosto. Ainda me emociono com cada palavra que você se referiu ao dia que me viu, me viu de verdade. Leio e releio cada post de seu blog custando a acreditar que aquelas palavras são pra mim. há muito tempo não sabia o que era ser admirado.
Ah menina! Se você soubesse. Obrigado por tudo, tenho tanta coisa pra contar, falar, perguntar... São quase 5h55 da manhã, não quero mais escrever...



E a menina se olhou no espelho e se sentiu denovo, um camaleão em frente à um arco-íris.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Escolhas

As fases que nós passamos, se tornam sempre experiências, degrais que usamos pra crescer na vida e aprender com nossas escolhas.
Tiveram fases na minha vida que eu escolhia entre a o leite com Nescau e o leite com Nesquik, entre o Pica-Pau e o Castelo Rá-Tim-Bum, entre sentar com a Regina ou sentar com a Fernanda na escola, entre ir jogar bola ou brincar com bonécas.
Depois comecei a escolher entre natação e ginástica olímpica, inglês e espanhol, entre o Guilherme e o Vitor, entre ir no cinema ou no Tutti-Frutti.
E eu cresci, escolhi empregos, escolhi amizades, escolhi atitudes, escolhi palavras, escolhi entre sonho e realidade, entre certo ou incerto, entre maconha e Malboro, entre vódca e cerveja, entre rock e pop, entre direitos e deveres.
Hoje, eu parei pra pensar e estou pensando, ao longo da noite, ao longo da tarde, ao longo dos dias, que talvez agora, eu tenha me deparado com a escolha mais difícil da minha vida. As pessoas que eu amo, ou o meu futuro garantido?
Eu comecei a colocar as características de cada escolha numa balança e não cheguei à conclusão alguma.
É uma fase de muita dúvida, de muito questionamento, de muitas pequenas escolhas que farão uma escolha definitiva e maior.
Minha vida esteve em uma fase de reconstrução e hoje talvez eu tenha chego no porto seguro de tudo isso, porém e agora?
E agora que eu acho que estou bem, que tenho calma, consciência, que tenho tranqüilidade e certezas, agora que adquiri tudo isso, vem a vida e me puxa o tapete.
O meu coração andou se sentindo seguro e ele faria uma escolha nesse momento sem medo de errar, por alguém. Mas como escolher entre alguém e eu mesma? Não posso... Essa é uma escolha que não posso fazer. Talvez isso vá me doer mais do que todo esse tempo em que eu estive esperando pra tudo se resolver.
Queria tanto poder dizer, que ia ser diferente agora, que dessa vez as coisas iam dar certo e eu não ia mais ter que renegar aquilo que pode me fazer feliz, por minhas escolhas. Minhas escolhas.
Escolher o amor? Escolher tentar construir uma carreira? Qual das escolhas se parece mais com ESCOLHER SER FELIZ?

Se você soubesse

Ah menino, se você soubesse! Se você soubesse que eu fiz as pazes com meu diário, com os filmes de comédia romântica, com as palavras e os olhares por sua causa...
Ah! Se você soubesse quanto você coloriu esses meu últimos dias. Foi por sua causa que eu coloquei uma flor no cabelo, coisa que eu não sabia nem que eu fazia, mas eu fiz! Eu fiz a flor, fiz as palavras, fiz as pazes!
E sabe o que mais você fez? Você revirou a poeira, daquelas coisas que ficaram guardadas por um tempo e quietinhas num canto pra ninguém mexer. Meu coração e meus dias estavam monótonos, mas hoje eu não dormi!
E não dormi, mas não por pensar no que não anda acontecendo e por não gostar de como tudo tem sido, pelo contrário, você é meu herói, você me salvou da chatisse e das coisas sem graças que me perseguiam.
Você é meu herói sabia? Eu queria tanto te agradecer por essa noite mal dormida, se você soubesse...
Minhas noites tem tido gosto de nada, um gosto de nada infestado na minha boca, mas essa noite não! Essa noite eu senti gosto de fruta, de doce, de maçã do amor, de chocolate! Se você soubesse que é você...
Tá tudo tão colorido, com a mesma graça de um algodão doce, dos bichinhos e desenhos malucos que a gente vê em nuvens quando está apaixonado, aquele cheiro de passeio no parque, aquela sensação de coisa crocante e gostosa.
Eu lembro agora de quando te vi, de quando te vi de verdade, alí na minha frente e não pude parar de olhar. Olhei como quem quer saber quem você é, pelo seu cheiro, como quem quer ver seus ancestrais em sua pele, como quem quer saber seus traços e passos em seu sorriso. E eu tentei ir à fundo, de uma forma que não te esqueci, que fechei os olhos pra cantar, que imaginei você alí, até que pude abrir com a certeza de te ver, e eu te vi denovo.
E foi a segunda vez, no mesmo dia, segunda vez que te vi e você não sabe que eu te vi, não sabe como eu te vi, mas se você soubesse...
Ninguém se apaixona por outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta. Foi o que disse Arnaldo... de fato, não sei suas qualidades, mas se você soubesse, como salvou minha noite, meu dia, meu sorriso.
E você sabe, não sabe?

"O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais.
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim."


Então, o que aconteceu? Ah se você soubesse, eu ia querer demais que me contasse! Mas foi você, que fez a tal reviravolta, que fez minha péssima noite de sono, que fez meu sorriso começar logo cedo!

Dúvidas

Não é nada usual, mas também não é o extremo do estranho. Essa noite eu não consegui dormir, agora são 06:20 e eu preciso escrever o monte de palavras engasgadas no meu coração.
Talvez um yoga agora ajudasse pra eu me centrar, mas não tenho a coragem suficiente de abandonar as palavras que eu cultivei a madrugada toda, pra tentar simplesmente, esquecê-las.
Eu não sei ao certo do que eu quero falar. Acho que eu quero falar do amor e de como eu tenho me sentido sozinha ultimamente.
Eu tenho tentado não levar em conta nenhuma das coisas que vivi nesse ano que passei, a não ser pela parte dura do aprendizado, e essa parte dura do aprendizado posso chamar de "lembrança triste". Hoje, depois de tanta coisa, consigo olhar com olhos menos pesados pra tudo aquilo, pras decepções, pras lágrimas, pras brigas, pras frustrações e pra todas as coisas que me fizeram entrar no período que estou vivendo, de me fechar, pra apenas observar e pensar sobre tudo.
Já faz um tempo que eu me fechei no meu mundo, onde ninguém podia entrar, onde ninguém mais me conheceria com tanta facilidade. Vi nas pessoas muita maldade, andei me sentindo um bebê inocente e um adulto bobo. E, não que eu queria deixar de ser assim, mas tomei a decisão de não deixar as pessoas saberem mais quem eu sou. Quando foi preciso jogar, joguei. Quando foi preciso ser indiferente, eu fui. Quando precisei mentir, menti. Quando precisei fugir, fugi. E estou fazendo isso há tanto tempo, que eu me pergunto: até quando? Por que agora, eu cansei.
Essa noite, eu fiquei pensando em como seria bom deixar alguém saber quem eu sou. Acho que já me permiti a fase do silêncio e do aprendizado pelo tempo suficiente, afastei tantas pessoas de mim com isso, pessoas que me faziam mal, que queriam de mim o que eu não seria capaz de dar e sinceramente essa é a única causa pela qual eu posso lutar, com a certeza de estar fazendo o certo.
Minha felicidade, minha verdadeira felicidade, e ela não é mais do que estar com amigos verdadeiros, pessoas verdadeiras que tenham um amor verdadeiro por mim.
Onde eu quis chegar com tudo isso? Ando me sentindo sozinha, demais...
Perdi amores por que achei que podiam me machucar, perdi amigos por que não queriam o que eu tinha de amizade pra oferecer, perdi tantas pessoas, por escolher, selecionar, me proteger, tanta gente, que fiquei sozinha.
E só reclamo, por me sentir sozinha realmente. Dá uma dorzinha no coração, dá um aperto no peito, dá um nó na garganta, mas eu sei que isso foi o certo. Isso talvez, seja o que mais me dói: eu sei que foi o certo. Entende?
Estou sozinha e sei que vou ter que continuar assim... mas eu queria poder falar, o quanto isso dói, o quanto eu queria voltar à confiar nas pessoas, o quanto eu queria alguém pra olhar no fundo dos olhos e sentir paz. Agora já nem falo de amizade mais, falo mesmo é de alguém pra estar ao meu lado. Alguns amigos, estão conquistando seu lugar de confiança, mas ainda não apareceu alguém que possa ocupar denovo "aquele lugar" no meu coração.
Eu não sei por quanto tempo ainda vou ter que esperar, mas depois de tudo isso que passei, e da solidão que andei sentindo, fiquei forte. Não sinto mais necessidade de acabar com isso, só acho que a vida podia começar a ser legal comigo.
Eu não queria estar reclamando aqui, mas há dias tenho me sentido triste, estressada e não gosto de descontar isso em ninguém, então, acho que é o único lugar onde eu posso falar sem incomodar.
Eu tô legal, tô sim, se não tô agora, ao menos sei que vou ficar, mas estou cheia dos por quês...
Espero de coração que as coisas comecem a se tornar mais compreensíveis pra mim, por que ando querendo poesias pra escrever, não quero mais que minhas palavras fiquem assim, sem sal, nem açúcar, nem nada que valha a pena olhar...

sábado, 16 de janeiro de 2010

Desconexo

Ele tem aquele sorriso e nada disso faz sentido algum pra mim. Não faz sentido o quanto eu quero que o tempo não passe, o quanto eu quero que o tempo corra. Nada tem feito sentido.
Eu já o tinha visto, mas nunca o enxerguei. E ele não foi a primeira pessoa que eu vi, mas quando eu vi, foi o primeiro da noite e de todo o resto.
E não faz sentido.
Não faz sentido o que eu tenho sentido, uma sensação de estar perdendo o controle, mesmo sabendo que não estou. Leve, bem leve é como eu poderia descrever meu agora.
Se for pra descrever, a sensação é parecida a de ter encontrado a diferença, o equilíbrio entre as coisas. Entre o que não existe mais num coração e num olhar e o que tem de sobra nas pessoas que confundem o que é o amor.
Ele é o meu equilíbrio, a minha eterna razão do agora, aquilo que eu vivo a cada semana intensamente, o nome que eu ouço e levanto os olhos à procura, à procura do que não faz sentido.
Não faz sentido explicar também, o que não faço idéia do que seja, mas sei que agora é! Eu sei. E disso a gente sabe, sabe como quando a gente olha pra uma rede na varanda depois do almoço e sabe que é aquilo que a gente realmente quer.
Não faz sentido, eu não sei explicar, mas eu realmente sei que quero. E sei por tudo que ele é, por tudo que ele não é, pelo muito que eu desconheço e pelo pouco que eu já decifrei, pelo nada que eu realmente estou certa e pelas milhares de dúvidas que tenho o direito de ter.
Mas eu quero, tenho querido e quererei enquanto não fizer sentido... e que não faça, pois enquanto for assim, terei boas razões pra ainda o querer.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O dia que Júpiter encontrou Saturno

Foi a primeira pessoa que viu quando entrou. Tão bonito que ela baixou os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. Deram-lhe um copo de plástico com vodka, gelo e uma casquinha de limão. Ela triturou a casquinha entre os dentes, mexendo o gelo com a ponta do indicador, sem beber. Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados, devagarinho conquistou uma cadeira de junco junto a janela. A noite clara lá fora estendida sobre Henrique Schaumann, a avenida Poncho & Conga, riu sozinha. Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz. Molhou os lábios na vodka tomando coragem de olhar para ele, um moço queimado de sol e calças brancas com a barra descosturada. Baixou outra vez os olhos, embora morena também, e suspirou soltando os ombros, coluna amoldando-se ao junco da cadeira. Só porque era sábado e não ficaria, desta vez não, parada entre o som, a televisão e o livro, atenta ao telefone silencioso. Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.

Não que estivesse triste, só não sentia mais nada.

Levemente, para não chamar atenção de ninguém, girou o busto sobre a cintura, apoiando o cotovelo direito sobre o peitoril da janela. Debruçou o rosto na palma da mão, os cabelos lisos caíram sobre o rosto. Para afastá-los, ela levantou a cabeça, e então viu o céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Vista assim parecia não uma moça vivendo, mas pintada em aquarela, estatizada feito estivesse muito calma, e até estava, só não sentia mais nada, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco parada assim, meio remota, o moço das calças brancas veio se aproximando sem que ela percebesse.

Parado ao lado dela, vistos de dentro, os dois pintados em aquarela - mas vistos de fora, das janelas dos carros procurando bares na avenida, sombras chinesas recortadas contra a luz vermelha.

E de repente o rock barulhento parou e a voz de John Lennon cantou every day, every way is getting better and better. Na cabeça dela soaram cinco tiros. Os olhos subitamente endurecidos da moça voltaram-se para dentro, esbarrando nos olhos subitamente endurecidos dos moço. As memórias que cada um guardava, e eram tantas, transpareceram tão nitidamente nos olhos que ela imediatamente entendeu quando ele a tocou no ombro.

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você gosta de Júpiter?
-Gosto. Na verdade "desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra".
-Que é isso?
-Um poema de um menino que vai morrer.
-Como é que você sabe?
-Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

(Silêncio)

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

(Silêncio)

-Como é que você sabe?
-O quê?
-Que o menino vai se matar.
-Sei de muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.
-Eu não sei nada.
-Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.
-Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
-Ninguém compreende.
-Às vezes sim. Eu te ensino.
-Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também.
-Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?

(Silêncio)

-Você tomou alguma coisa?
-O quê?
-Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.
-Não tomei nada. Não tomo mais nada.
-Nem eu. Já tomei tudo.
-Tudo?
-Cogumelos têm parte com o diabo.
-O ópio aperfeiçoa o real
-Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.

(Silêncio)

-Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.
-Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.
-Alguma coisa se perdeu.
-Onde fomos? Onde ficamos?
-Alguma coisa se encontrou.
-E aqueles guizos?
-E aquelas fitas?
-O sol já foi embora.
-A estrada escureceu.
-Mas navegamos.
-Sim. Onde está o Norte?
-Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.

(Silêncio)

-Você é de Virgem?
-Sou. E você, de Capricórnio?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando "Kiss, kiss, kiss". Por que você não me convida para dormirmos juntos.
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Porque não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.
-Te beijo.

Foi a última pessoa que viu ao sair. Tão bonita que ele baixou os olhos, sem saber sabendo que ela também o tinha visto. Desceu pelo elevador, a chave do carro na mão. Rodou a chave entre os dedos, depois mordeu leve a ponta metálica, amarga. Os olhos fixos nos andares que passavam, sem prestar atenção nos outros que assoavam narizes ou pingavam colírios. Devagarinho, conquistou o espaço junto à porta. Os ruídos coados de festas e comandos da madrugada nos outros apartamentos, festas pelas frestas, riu sozinho. Ria sozinho quase sempre, um moço queimado de sol, com a barra branca das calças descosturadas, querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.

Mordeu a unha junto com a chave, lembrando dela, uma moça magra de cabelos lisos junto à janela. Baixou outra vez os olhos, embora magro também. E suspirou soltando os ombros, pés inseguros comprimindo o piso instável do elevador. Só porque era sábado, porque estava indo embora, porque as malas restavam sem fazer e o telefone tocava sem parar. Sorriu olhando em volta.

Não que estivesse triste, só não compreendia o que estava sentindo.

Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão de lado, saindo para a rua. Apoiou-se no poste da esquina, o vento esvoaçando os cabelos, e para evitá-lo ele então levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Visto assim parecia não um moço vivendo, mas pintado num óleo de Gregório Gruber, tão nítido estava ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco, a moça debruçou-sena janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido.

De repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando "se Deus quiser, um dia acabo voando". Na cabeça dele soaram cinco tiros. De onde estava, não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás.